domingo, 24 de abril de 2016

Os abraços de Deus

Eu e o meu marido éramos pais de muitos filhos, bem casados e esperando outra criança. O número nove! Parecia-nos pouco razoável… "Meu Deus", orámos: "Não nos estás a pedir um pouco demais?" Precisaríamos de um carro maior. Maior do que o nosso grande carro. Maior do que o nosso Chevrolet Suburban! Rimos e chorámos e rimos novamente… Então fui fazer a primeira ecografia. Vi "IMA" na ficha, que me parecia bastante inócuo, até que, soube o que isso significava: "idade materna avançada…" A técnica ía fazendo o exame, mas de repente parou de conversar, o que quereria dizer que algo não estava bem. Encontrava um marcador no exame e precisávamos de fazer mais testes. O coração aparecia escuro, e poderia haver um problema. Eu nunca tinha feito testes antes, mas concordei. Descobrimos que o bebé tinha síndrome de Down. Quando contei ao meu melhor amigo do bairro, ele pareceu ignorar a conversa, e antes que eu pudesse tentar brincar com a situação, abraçou-me. Lembro-me desse abraço. Foi como se Deus me estivesse a apoiar, dizendo que tudo acabaria bem. Ele deu-me força para o que veio a seguir. Os médicos disseram que o bebé - Paulo seria o seu nome - tinha também um defeito cardíaco. Nos poucos meses seguintes passámos metade do tempo preocupados que Paulo morresse no útero, e a outra metade preocupados como ele viria a ser. Meu marido tentou-me preparar para a possibilidade de o perdermos, mas eu guardei cada pontapé do bebé como uma garantia, uma garantia falsa, e desejei que ele continuasse a chutar cada vez mais. A síndrome de Down não parecia tão grave, comparada com a cirurgia de coração aberto. As pessoas podiam viver com síndrome de Down - lidaríamos com isso quando fosse a altura, - mas ninguém estaria preparado para ouvir "recém-nascido" e "cirurgia de coração aberto" na mesma frase. Falar de corações do tamanho de nozes, sendo partidos e abertos, foi motivo para pesadelos e milagres. Paulo nasceu, e continuámos à espera que ele fosse diferente. Mas realmente isso não aconteceu - apenas os olhos e os dedos dos pés denunciavam a sua condição. Era o Paulo, e era muito bonito! Os dois meses seguintes esfumaram-se juntos, tentando nós fazer com que ele aumentasse de peso. Íamos ao consultório médico uma vez por semana para a pesagem. Preparámos biberons especiais, de modo a fornecer-lhe o máximo de calorias quanto possível. Eu sentia-me como a bruxa de Hansel e Gretel, tentando engordá-lo. “Come, meu bebé, come!” Mas não funcionava. Num dado dia, levei-o a uma pesagem. A médica ouviu o seu coração, pesou-o e auscultou-o novamente. Então ela disse-me: "Está na hora," e deu-me um longo abraço. Eu não entendia o que estava para vir. No entanto, lembro-me deste abraço. Mais uma vez, Deus usou alguém para me preparar para a próxima prova. Estava na hora de o levar para o hospital. Não poderia haver mais acompanhamento só em casa. Para o manter vivo, era preciso vigiar a ingestão de calorias, monitorizar o seu coração e assegurar que os rins não falhavam. Chamou uma ambulância para me levar com ele para o hospital. Passei o mês seguinte no Childrens Hospital, sozinha com meu filho, dormindo num sofá, comendo de uma máquina de venda automática e assistindo aos episódios de Ratatouille. No dia em que o transferiram do hospital para a Casa das Crianças, eu me apavorei. Queriam que ele crescesse; mas não havia maneira de o pôr mais gordo. A companhia de seguros queria que ele saísse do hospital até à cirurgia, mas ninguém sabia quando é que a cirurgia iria acontecer. A única meta era "mais crescido". Só que ele tinha perdido cerca de 60 gramas desde que chegara ao hospital. Quanto tempo se esperaria antes da cirurgia? Quanto tempo poderia eu estar longe dos meus outros oito filhos e do meu marido? Estávamos nós a empatar o tempo? Por quanto tempo poderíamos esperar até que ele morresse? Foi quando eu gritei com o médico… Ele, reconhecendo a minha síndrome pós-parto, ou seja, "Ela está-fora-de-casa-há-um-mês-e-o-seu-filho-não-está-a-melhorar", pegou o meu filho nos seus braços, e colocando uma mão no meu ombro, disse, preparando-me "Eu vou cuidar dele. Você tem que confiar em mim. Eu sei como a sua vida é preciosa". E contou-me de como tinha sido ameaçado à mão armada na sua cidade natal na América do Sul, e de como os guerrilheiros atiraram contra ele e contra as crianças que estavam com ele, para que não conseguisse tratar de um soldado ferido. As suas palavras: "Você tem que confiar em mim", senti-as como se fosse Deus falando ao meu coração. Dormi profundamente naquela noite, a primeira noite completa em semanas. Aquele médico escreveu uma nota no diário clínico, juntamente com a análise dos dados de perda de peso do Paulo e o recente aumento da temperatura, recomendando a cirurgia ao fim de uma semana. Eu nunca mais o vi, mas devo-lhe a saúde do meu filho, e provavelmente a minha sanidade. A cirurgia foi realizada rapidamente, e três semanas mais tarde Paulo e eu voltámos para casa. Parecia o dia do seu nascimento e que tínhamos emergido do túmulo. Ele recebera um coração novo, em troca do velho que não tinha uma parede nem válvulas suficientes para o sustentar. Hoje, o Paulo tem sete anos. Brinca com combóios e dinossauros e pediu mesmo agora para lhe vestir o seu traje de Iron Man. Os abraços que me dá são recordações daquelas três vezes em que me senti cair, e em que Deus me levantou através de outras pessoas. A síndrome de Down é uma realidade. Ele ainda está a aprender o uso do bacio. Ainda estamos aprendendo a comunicação. No entanto, tê-lo, é como ter qualquer um outro dos nossos filhos, alguém que não saberíamos como viver sem ele. Traduzido de aleteia.org A autora Sherry Antonetti é um ex-educadora especial e atualmente escritora freelancer e mãe de 10 filhos. Escreve em Catholicmom.com O seu blog é “Chocolate for your brain” e o seu email é sherryantonettiwrites@yahoo.com


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