sábado, 5 de junho de 2010

DOR NO CORAÇÃO NA CRIANÇA

Alguns Pais, preocupados com a dor no peito nos filhos, enviam perguntas para este blog, mas
uma resposta segura e honesta só pode ser fundamentada na avaliação clínica da criança.
De qualquer modo, dum modo geral, as recomendações que daria, são:
1 – O médico assistente é a pessoa mais indicada a quem colocar estas questões, porque conhece a criança e a família.
2 – Na criança, raramente as dores no peito são sinal de doença grave, contrariamente ao adulto. Os sinais que poderão descansar os pais são:
A dor é breve e acontece tanto em repouso como no esforço. É tipo ma picada que “Vem do nada” como dizem os mais crescidos. 
Mais frequentemente o dedo aponta sobre o esterno, central. 
Nessas alturas, se respirar fundo, a dor aumenta, porque tem a ver com a grelha costal. 
O coração pode começar a bater mais depressa quando a criança se assusta. 
Esta é quase de certeza, uma dor benigna.
3 – A dor é preocupante se é surda, é mais espalhada, mantém-se e não passa. 
Pode haver dificuldade em respirar, tosse ou mesmo febre. 
O coração está um pouco acelerado.
 As dores que surgem predominantemente no exercício, que dão tontura ou desmaio, ou aceleração rápida ou irregularidades no ritmo cardíaco,  também são preocupantes.

Que fazer se a criança tem dor no peito?
1 – Há crianças que choram com a dor. A criança está assustada, pode doer, mas a dor será mais provavelmente benigna. Os pais ou os cuidadores (escola) devem ter calma e esperar uns minutos. É muito importante acalmar a criança carinhosamente dando-lhe segurança. (só pessoas acalmadas podem transmitir calma…)  A criança acalmou mas a dor não passou. Veja como ela está; sinais de doença? Está pálida? Ponha um ouvido no peito dela e veja se o coração bate muito depressa (superior a 200 pulsações/minuto). Se o coração estiver bem (100/120 pulsações ou menos)  passe uma pomada para a dor no peito dela, e espere mais 30 minutos. A dor vai passando, já não dói tanto quando respira fundo. Será uma dor musculo-esquelética, que passou com atenção e segurança dos pais (ao deitar estas dores costumam ter um componente de ansiedade mais importante)
2 – A dor surgiu no desporto, mas a criança continuou a jogar e passou, ou o treinador não valorizou, será uma dor benigna, a valorizar se se repete mais vezes.
3 – A dor é surda, começou ontem, diminuiu um pouco com um xarope para a febre/dor, mas hoje voltou igual, a criança não está confortável: telefone ao médico assistente.
4 – A dor foi concomitante com desmaio ou tontura, de breve duração, ou irregularidades importantes no rimo cardíaco, deve consultar o médico e não deve praticar desporto enquanto não houver um diagnóstico.
5 - Existem a acrescentar a este dados, sinais de alarme familiares, mesmo quando a criança é tida como saudável, sem sintomas e, em geral, é vista regularmente pelo pediatra . Esses dados são: um parente próximo, com arritmia cardíaca importante, que o leva a fazer medicação ou que colocou um pacemaker. Uma doença cardíaca familiar conhecida, nomeadamente doenças do miocárdio. Morte súbita em familiar próximo (< 40 anos de idade).
Estes dados, sobretudo se a criança/jovem praticar um desporto federado, devem levar a uma consulta de cardiologia pediátrica.

Depois destes aspectos práticos, falemos então da “dor no coração” na criança.



A principal causa que leva os Pais a uma consulta de cardiologia pediátrica, é o facto de o médico assistente dizer que a criança tem um sopro.
Logo a seguir são as dores no peito, a “dor no coração”.

No peito há muita coisa que pode doer, mas o coração é quase sempre o culpado...
Em geral trata-se de um rapaz, pré-adolescente magro, desportista e saudável, bom aluno e um pouco ansioso. A dor é real, aguda, tipo pontada, localizada ao centro do peito, sobre o esterno. É uma dor moderada e que muitas vezes dificulta a inspiração, daí que também é referida “falta de ar”. Costuma durar poucos minutos e depressa passa, assim como veio. Não costuma haver alterações do ritmo cardíaco, a não ser alguma taquicardia, porque a criança se assusta e fica ansiosa. A dor pode surgir quer durante o exercício físico, quer em repouso.

Esta dor é musculo-esquelética e tem origem nas articulações entre o esterno e as costelas.
O exercício físico intenso, como nadar, andar de bicicleta, ou outros (mochilas...), podem causar este tipo de dor. Os defeitos de posição, como sentar-se mal, dormir em más posições, podem facilitar esta dor.
Esta é a “dor no coração” de longe a mais frequente. Uma vez que a criança toma consciência da realidade, aprende a lidar com esta dor, deixa de se assustar, e a sua vida continua... Mas se quiser, tem aqui um bom  motivo que pode render algumas contra-partidas...
Por vezes as articulações em causa podem mesmo inflamar e levar a uma dor recorrente, podendo haver necessidade de tratamento com anti-inflamatórios.

Mas no peito há mais coisas que podem doer; felizmente são muito mais raras.
A pele pode doer, mas na criança costuma ver-se a lesão que causa a dor.
Os musculos podem doer, sobretudo se pouco treinados e sujeitos a um esforço excessivo.
Dentro do peito há dois sacos membranosos que podem doer: um que envolve os pulmões, a pleura, e outro que envolve o coração, o pericárdio.
São compostos por duas camadas, entre as quais existe um pouco de líquido lubrificante, para evitar que estes órgãos se magoem, pois estão permanentemente em movimento.
A pleura pode doer, mas em geral isto acontece num contexto infeccioso pulmonar, com febre, tosse e dificuldade em respirar. As pneumonias são a causa mais frequente deste tipo de dor, mais frequente à direita.
O pericardio quando inflamado, por certas doenças em geral virais, também doi, uma dor compressiva e constante, que não passa facilmente.

O coração doi, em particular o músculo cardíaco.
Os adultos que tiveram enfarte ou angina de peito, sabem como essa dor é forte e angustiante.
Em geral existem problemas com as artérias coronárias, que irrigam e alimentam o coração, que, ao entupirem, fazem sofrer o musculo cardíaco. A idade, certas doenças (diabetes, colesterol alto, hipertensão arterial) e outros factores, em particular o tabaco, são os principais agentes.
Na criança estes factores não existem, no entanto há situações raríssimas que podem fazer doer o coração nos mais jovens. São anomalias congénitas das artérias coronárias. A dor aparece sempre e só no esforço físico, tipicamente, ou no bebé que chora, fica pálido e suado sempre que chupa o biberon, ou no adolescente que tem dor forte no peito, por vezes com arritmia cardíaca, quando pratica desporto. Estas situações são muito raras, mas sérias e exigem uma abordagem cuidada.

O aparelho digestivo também pode simular dor no peito, mas em geral as esofagites, hernias do hiato dão mais dor nas costas. Muito ar no colon ou no estômago, pode dar desconforto na parte inferior do peito.

Falámos de dor no peito em crianças saudáveis.
Há crianças com doenças crónicas, quer generalizadas, quer localizadas ao próprio coração ou aos pulmões, que podem ter dôr no peito. Estas situações, uma vez identificadas, são discutidas com o médico assistente e os Pais, que ficam assim mais esclarecidos das complicações que a doença do seu filho pode dar.

Concluindo:
A dor no peito, de longe a mais frequente, é uma dor tipo musculo esquelética, benigna, cujo tratamento principal consiste em acalmar e dar segurança à criança, ensinando-a a lidar com esse tipo de dor. Dê-se-lhe atenção, mesmo ( ou sobretudo...) sendo só isso o que ele quer.
Isto também dá uma certa segurança aos Pais. Não cabe aqui aos Pais lembrarem-se dos seus Pais, que faleceram por causa do coração.
Quase de certeza não é isso que se passa com os seus filhos, enquanto não forem avós...
Fica um “quase” que compete ao médico assistente resolver como abordar, se o estudo passa pelo cardiologista pediátrico ou não.
Não devem ser os Pais a decidir isso e a levar logo a criança “com dor no coração” ao cardiologista pediátrico, ou mesmo às urgências.
A criança tem um médico que a conhece, e deve ser ele a decidir o que fazer e como fazer.
Há tempo para resolver as coisas da melhor maneira ...

Quais são os sinais que nos podem preocupar mais?
1 - A idade da criança: antes da idade escolar, as dores no peito são benignas em geral. Na adolescência poderão ser mais preocupantes.
2 - Como surgiu a dor: se a criança está calma em casa e tem uma dor súbita no peito, que passa pouco depois, que não a deixa respirar bem, porque dói mais, é uma dor muscular.
3 - Se a dor aparece só no esforço, e a criança sai do jogo, ou desmaia, pode ser preocupante.
4 - O coração bate depressa: se aparece primeiro a dor, o coração bate depressa porque a criança se assusta. Se o coração bate depressa primeiro e depois aparece a dor, pode ser mais preocupante.
5 - O local da dor: se a dor é no centro do peito, numa linha vertical, é dor muscular esquelética. 

O coração dói! Mas, na criança, é muito raro a dor no peito ser do coração a doer!



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